Testemunha ocular, materialização de uma experiência, fonte ativadora de lembranças e saudades. Tudo isso a fotografia pode ser. Da materialidade ao digital ela agrega uma capacidade de transmitir conhecimento e também de contar histórias múltiplas.
Desde o seu surgimento até a contemporaneidade, o ato de fotografar vem acompanhando os mais variados acontecimentos do mundo. Por meio de sua linguagem não-verbal, é possível evidenciar ou omitir comportamentos, valores e ideias, além de suscitar um vínculo estreito com a construção da memória, seja ela individual ou coletiva. Nessa perspectiva, acompanhando as inúmeras mudanças da fotografia e as formas como ela se faz cada vez mais presente em nossa existência, a WA Imagem Fotografia e Produção Cultural apresenta as Exposições “Luiz Pucci – É favor me olhar com cuidado” e “Kim-Ir-Sen – o que o coração vê”.
A exposição de Pucci, fotógrafo pioneiro de Goiânia, é composta por retratos de estúdio produzidos na primeira metade do século XX. Nos proporciona uma viagem ao tempo e as formas de fotografar e ser fotografado; além de evidenciar poses e técnicas, como a colorização manual de fotografias, também conhecida como “colorido a mão”, que em seu laboratório, era minuciosamente realizada por ele e sua esposa Hilda Carvalho Pucci. As fotografias de estúdio eram a especialidade desse fotógrafo. Ele tinha o controle minucioso da iluminação, o que lhe permitia criar efeitos de sombras e conferir à época, uma sensação inovadora para as suas imagens.
Apresentamos também a obra do fotógrafo documental Kim-Ir-Sen, que ao longo de sua trajetória trabalhou para vários jornais e revistas do Brasil e do exterior, dedicando-se, ainda, aos seus projetos pessoais, com ênfase na fotodocumentação ecológica e social, onde retrata, por exemplo, os povos originários do Brasil e seus rituais. A sua fotografia contundente e expressiva faz parte do patrimônio visual do nosso país e, consequentemente, do Estado de Goiás.
Produzir as exposições de Kim-Ir-Sen e Luiz Pucci, além de nos colocar em contato com a obra desses artistas tão importantes para a fotografia goiana e brasileira, nos fez compreender a importância da itinerância, uma vez que parte das imagens aqui apresentadas, integraram em 2024, a terceira edição do Goyazes Festival de Fotografia e, em 2022, a Ocupação Cultural “O MIS é nosso Sim”, ambos realizados em Goiânia.
Nesse processo, reconhecemos como primordial, os apoios institucionais da Secult-GO, através de suas leis de incentivo e, do Museu da Imagem e do Som, detentor do acervo de Luiz Pucci, que cordialmente, nos cedeu as imagens do fotógrafo para integrar esse projeto. Fundamentais também foram as parcerias estabelecidas com o Instituto Biapó e a Assembleia Legislativa de Goiás, que disponibilizaram os seus espaços, contribuindo assim, com a interação entre o público visitante e as produções fotográficas apresentadas.
Desejamos a todos uma excelente visitação! Esperamos que olhem com cuidado e afeto para as fotografias presentes nesses locais de fruição e valorização da cultura goiana.
WA IMAGEM
Fotografia e Produção Cultural
Luiz PUCCI
Luiz Pucci – É favor me olhar com cuidado
A exposição Luiz Pucci – É favor, me olhar com cuidado apresenta ao público um conjunto de 40 retratos fotográficos, realizados entre os anos de 1947 e 1955, período em que o fotógrafo atuava em seu estúdio localizado no bairro de Campinas, em Goiânia. As imagens, selecionadas em um álbum preservado pelo Museu da Imagem e do Som de Goiás, nos convidam a revisitar um tempo atravessado por gestos de delicadeza, afetos e desejo de permanência.
O título da mostra reproduz uma frase escrita pelo próprio Pucci na primeira página do álbum: “É favor, me olhar com cuidado”. Enigmática e tocante, essa inscrição funciona ao mesmo tempo como advertência e súplica. Ao pedir que o manuseio físico do álbum fotográfico seja cuidadoso, a frase chama a atenção para quem venha a olhar aquelas imagens com sensibilidade — ou seja, um cuidado não apenas técnico, mas sobretudo humano. Trata-se de um pedido por um olhar que contempla, que sinta, que perceba os rostos ali fixados como quem contempla algo que insiste em existir, resiste ao desgasto do tempo, uma vez capturado, impresso e às vezes retocado na fina superfície do papel.
Essas fotografias carregam a importância da memória coletiva. Cada retrato é mais do que uma representação individual: é um fragmento de história social, cultural e emocional. São imagens de batizados, formaturas, casamentos, primeiros aniversários; cenas formais e singelas de homens, mulheres e crianças que buscaram na fotografia uma forma de permanecer — como se a lente de Pucci pudesse deter o tempo, fixar um instante de beleza ou de importância simbólica.
Ao lado de Luiz, a presença de Hilda Pucci, sua esposa, foi fundamental. Era ela quem realizava a pintura manual das fotos, aplicando delicadas camadas de cor sobre as imagens em preto e branco, conferindo-lhes uma dimensão pictórica que reforça o caráter artesanal e afetivo do trabalho. Essa prática de fotopintura, comum à época, encontra-se aqui resignificada em sua potência estética. Cada retrato pintado se torna um objeto único, uma espécie de relicário visual, onde a imagem deixa de ser apenas documento para se transformar em uma obra de memória viva.
A exposição se organiza em torno de núcleos temáticos que dialogam com os ritos de passagem e com a experiência do retrato como cerimônia simbólica. A inspiração curatorial ressoa, ainda que indiretamente, ecos de propostas como The Family of Man (1955), organizada por Edward Steichen no MoMA. No entanto, observamos aqui um deslocamento: ao invés de um olhar universalizante, temos a celebração de uma comunidade específica, com suas expressões próprias de beleza, identidade e pertencimento.
Luiz Pucci não foi apenas um fotógrafo de estúdio: ele foi um artista da intimidade. Sua câmera capturava não apenas rostos, mas o modo como esses rostos desejavam ser lembrados. Seu trabalho nos lembra que fotografar é também um ato de escuta, de empatia e de observação. Os retratos aqui expostos possuem algo de sagrado e de frágil, como se cada um carregasse uma história não narrada, mas ainda pulsante.
Olhar com cuidado, neste contexto, significa reencontrar a potência da fotografia como espaço de memória, como arquivo sensível do que fomos e do que queremos guardar. As imagens de Pucci nos ferem com uma beleza nostálgica, nos tocam assim como nos toca o punctum de Roland Barthes: aquele detalhe invisível que nos atravessa e desperta em nós a saudade de um tempo que não volta, mas que insiste em permanecer no papel, na cor, no olhar que nos encara no avesso da imagem.
Essa coleção, finalmente, ativa o desejo de lembrar, de preservar, de existir pela imagem. Ela remete à fotografia como uma arte da memória, como respaldo sensível de cuidado, como presença cuja beleza nostálgica atravessa inexoravelmente o tempo. Esta exposição é, portanto, um convite à contemplação, à escuta e à ternura. Uma reverência a um fotógrafo pouco conhecido, mas que soube, como poucos, transcender o ordinário na arte do retrato fotográfico, ao fazer dele um lugar privilegiado da lembrança.
Samuel de Jesus Curador
KIM-Ir- Sen
Kim-Ir-Sen – o que o coração vê
Apresenta uma síntese da vasta obra de Kim-Ir-Sen, fotógrafo documentarista, com sólida formação técnica e larga experiência como fotojornalista e no campo da antropologia visual.
O seu trabalho é substancioso em quantidade e qualidade técnica. Como cineasta foi premiado em festivais como o FICA – Festival Internacional de Cinema Ambiental, na Cidade de Goiás, Festival É Tudo Verdade e Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. No campo da fotografia, nos anos 1980 foi um dos responsáveis pela criação da AGIL Fotojornalismo, agência referência no fotojornalismo investigativo no país. Ao longo das décadas teve a sua produção difundida em vários jornais e revistas do Brasil e exterior. Foi membro do Conselho Estadual de Cultura de Goiás; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, do jornal Folha de São Paulo e da Editora Abril.
A exposição Kim-Ir-Sen: o que o coração vê reflete o seu engajamento junto aos temas trabalhados por ele ao longo das décadas, com destaque para as imagens dos povos originários do Brasil, dentre eles, os Bororos (Mato Grosso) e os Suruís (Rondônia e Mato Grosso). As imagens apresentadas pertencem ao seu acervo particular, são constituídas por várias camadas de sentido que dão densidade ímpar a elas, garantindo assim, a sua inclusão no fluxo da História.